Beatriz nasceu numa tarde de
agosto, mais precisamente na tarde de cinco de agosto de 2009, no Hospital
Manoel Novaes, em Itabuna-BA, pelas mãos da doutora “anjo” Renata Albano. Neste
ponto já preciso abrir um parênteses para dizer que Deus foi maravilhoso,
perfeito, indiscutível ao colocar esse ser humano para trazer a esse mundo a
minha grande felicidade.
Pois
bem. Não senti a anestesia,nem o corte, nem quando retiraram Beatriz. Vi tudo
muito quieto naquela sala de cirurgia, e então perguntei: “Ela já nasceu,
doutora?”. A resposta foi: “Sim. Ela foi ali e já volta.” Algumas horas depois
soube que aquele “foi ali e já volta” significou dizer que Beatriz precisou ser
reanimada, por isso não ouvi o tão esperado chorinho no nascimento.Trouxeram minha pequena já numa incubadora. A vi de longe. Nenhum toque, nenhum afago, nenhum beijo. E seguiram com ela para a UTI Neonatal, onde passaria mais inacabáveis 21 dias. Era uma quarta-feira. Me levaram para o quarto para descansar e me recuperar da cirurgia. Até então não sabia que ela ficaria tantos dias longe de mim. Não pude vê-la na quinta-feira. Somente na sexta-feira, recebi a noticia de que poderia visita-la na UTI.
Na entrada da UTI, um ambiente alegre, com fotos de crianças que já haviam passado por ali e que traziam força e esperança para as que naquele momento encontravam-se na mesma situação. Só podiam entrar os pais e os avós, mas sempre um de cada vez, e por pouco tempo, para não atrapalhar o andamento das atividades dos profissionais. Entrei procurando o nome da minha “Beatriz” e não achei, até que lá no fundo vi “RN de Mariela Rios”. Era ela. Ainda que toda cheia de apetrechos necessários naquele momento que me impediam de ver sua carinha, seu corpinho...era a minha filha.
E
a minha emoção naquele instante foi tamanha que não tive como conter as
lágrimas. Lembro que uma enfermeira encostou e disse: “Não fica assim, mãe. Ela
sente. Ela precisa sentir que você está bem”. Mas o meu choro era exatamente
por isso. Por saber que por mais difícil que tivesse sido, ela estava ali, e estava
bem. E esse era meu único agradecimento a Deus. Peguei no pezinho, fiz um
carinho na mãozinha e perguntei a médica plantonista como ela estava. A médica
me respondeu (o que vou contar a partir de agora vai ser surpresa para muitos,
mas é mais uma prova de que quando acreditamos em Deus e confiamos nossa vida a
Ele, nada pode ser maior): “Ela está bem. Só parece que tem uma síndrome. A
síndrome de Turner”.
Eu
escutei aquilo e apenas disse: “Ah, que bom que ela está bem.” Saí da UTI e retornei
ao quarto falando a Deus que não importava nada, que cuidaria e amaria minha
filha em qualquer situação. Contei ao meu esposo e aos meus pais e eles
começaram a pesquisar a síndrome que nunca havíamos ouvido falar, assim como
a síndrome que eu sofri e que trouxe
Beatriz prematuramente, a síndrome de Hellp(oportunamente abordarei esse tema
para as grávidas).
Síndrome Turner é uma anomalia cromossômica cuja origem é a
perda parcial ou total de um cromossomo X. A sindrome é identificada no momento
do nascimento, ou antes da puberdade por suas características fenotípicas
distintivas. A portadora apresenta baixa estatura, órgãos sexuais (ovários e
vagina) e caracteres sexuais secundários (seios) pouco desenvolvidos (por falta
de hormônios sexuais), tórax largo em barril, pescoço alado (com pregas
cutâneas bilaterais), má-formação das orelhas, maior frequência de problemas
renais e cardiovasculares, e é quase sempre estéril (os ovários não produzem
ovócitos).Mais tarde, após os exames, constatamos o que minha médica “anjo” já
havia me dito: Beatriz não tinha a sindrome de Turner. Agradeci a Deus por
isso.
Passei
mais dois dias internada e recebi alta. Sozinha. Beatriz continuaria ali.
Coração na mão. Mãos vazias. Colo sem minha filha. Um pedaço de mim ficaria no
hospital. Essa foi a sensação mais triste de todas que senti durante os dias
que passamos por tudo isso. E fui pra casa, deixando a minha esperança e o meu
amor. Foram os dias seguintes que me ensinaram a ver a vida de uma maneira
diferente, a acreditar cada vez mais em milagres, a entender os desígnios de
Deus para cada um de nós.
Assim
como eu, diariamente muitas mães iam acompanhar o desenvolvimento dos seus
pequenos. Mas também havia aquelas que não podiam ir, que não tinham recursos
para isso, e os bebes ficavam ali, sendo acarinhados e cuidados pelas
enfermeiras. Conheci lindas histórias, abracei muitas amigas, fui testemunha de
muitas vitórias. Grandes aprendizados.
Rapidamente
Beatriz saiu do alto risco e foi para o médio risco. E foi quando a peguei no
colo pela primeira vez. E pude dar de mamar também. Felicidade única. Momento
inesquecível. Passei a mão em seus poucos cabelos que logo seriam pouquíssimos,
já que a maioria tem a cabecinha raspada por conta das veias aparentes que
precisam ser pegas. No outro dia quando entrei na UTI a enfermeira estava
trocando Bia. Me deparei com a cena e me perguntei como cuidaria daquele ser
tão frágil? Ela pesava 1.800 kg, sendo que havia nascido com 2.260kg (é normal
que eles percam peso no início). A fralda descartável “engolia” minha pequena
guerreira.
Beatriz
não tinha força pra sugar e muitas vezes o meu leite não conseguiu suprir a
necessidade dela. Por isso, precisavam complementar com o leite materno no “copo
descartável”. Incrível! Com um copinho descartável de cafezinho, as mãos
experientes das enfermeiras faziam a alegria dos bebês que bebiam todo o leite,
em gulosos goles! Incrível mesmo!
Um
dia cheguei à UTI e Beatriz havia voltado para a sonda. Precisava limpar e
retirar alguns resíduos ainda do parto e por isso estava em dieta zero por 24h.
Pra quem já havia aprendido a dar grandes goles naquele copinho de café,
aguentar uma dieta zero era demais! E ela chorava, chorava, sem parar. E eu só
chorava também. Na hora de sair, perguntei a uma enfermeira o que eu podia
fazer para ajudar e ela me pediu que levasse uma chupeta, a menor que eu
encontrasse. Fui atrás da chupeta e voltei. Quando a enfermeira colocou na
boquinha dela a emoçao foi tanta que ela segurou e começou a chupar esperando
que o leitinho saisse dali. Tadinha da minha pequena...enganaram ela
direitinho. Mas pelo menos pude sair naquele dia sem ouvir o choro que me
matava por dentro.
Todos os dias eu levava a malinha dela pronta. Nunca sabia qual poderia ser o dia da alta e toda visita era uma esperança. E todas as semanas levava um pacote de fraldas pra ela, que ficava guardado embaixo do leito. Mas observava que nem todos os bebês tinham fraldas em seus leitos. Perguntei a enfermeira e ela disse que o plano cobria fraldas, que não era preciso levar. Mas quando soube que muitas vezes elas tinham que cortar uma fralda para fazer duas e suprir a necessidade dos que nao tinham, eu disse que deixasse as que o plano cobria para os bebes que precisavam.
Cheguei
no dia 27 de agosto para visitar Beatriz, com a malinha pronta. Quando a
enfermeira me viu, disse: “Mãe, estamos tentando falar com você, ligando pra
você e nada...Beatriz teve alta”. Abracei a enfermeira e chorei. Entreguei a
mala e esperei do lado de fora. Trouxeram minha filha arrumadinha, fofa, com
direito a mantinha rosa, roupinha especial e tudo mais que um bebê tem direito
para sair da maternidade. Agora sim tudo estava bem. Estávamos prontas para
sermos e vivermos a grande relação mãe e filha.
Abracei as enfermeiras, médicas, profissionais que dedicaram tanto cuidado a minha filha e somente agradeci. Era a unica coisa que podia fazer naquele momento. Desci a rampa, sorridente, passei pela primeira porta. Cheguei à portaria, falei com os atendentes que já estavam acostumados a me ver todos os dias e naquele dia eles sorriram diferente para mim, como se dissessem “que bom que deu tudo certo”. Saí dali sabendo que voltaria. Voltaria para fazer algo por aqueles bebês. Para fazer algo a mais por mim.
Mariela Rios é comunicóloga, pós-graduada em Leitura, Interpretação e Produção de Texto, graduanda em Pedagogia e mãe de um bebê prematuro que hoje está com 4 anos e uma saúde perfeita.
Belíssimo e emocionante!
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