sexta-feira, 11 de outubro de 2013

A minha experiência como mãe de um bebê prematuro


Beatriz nasceu numa tarde de agosto, mais precisamente na tarde de cinco de agosto de 2009, no Hospital Manoel Novaes, em Itabuna-BA, pelas mãos da doutora “anjo” Renata Albano. Neste ponto já preciso abrir um parênteses para dizer que Deus foi maravilhoso, perfeito, indiscutível ao colocar esse ser humano para trazer a esse mundo a minha grande felicidade.
Pois bem. Não senti a anestesia,nem o corte, nem quando retiraram Beatriz. Vi tudo muito quieto naquela sala de cirurgia, e então perguntei: “Ela já nasceu, doutora?”. A resposta foi: “Sim. Ela foi ali e já volta.” Algumas horas depois soube que aquele “foi ali e já volta” significou dizer que Beatriz precisou ser reanimada, por isso não ouvi o tão esperado chorinho no nascimento.

Trouxeram minha pequena já numa incubadora. A vi de longe. Nenhum toque, nenhum afago, nenhum beijo. E seguiram com ela para a UTI Neonatal, onde passaria mais inacabáveis 21 dias. Era uma quarta-feira. Me levaram para o quarto para descansar e me recuperar da cirurgia. Até então não sabia que ela ficaria tantos dias longe de mim. Não pude vê-la na quinta-feira. Somente na sexta-feira, recebi a noticia de que poderia visita-la na UTI.

Na entrada da UTI, um ambiente alegre, com fotos de crianças que já haviam passado por ali e que traziam força e esperança para as que naquele momento encontravam-se na mesma situação. Só podiam entrar os pais e os avós, mas sempre um de cada vez, e por pouco tempo, para não atrapalhar o andamento das atividades dos profissionais. Entrei procurando o nome da minha “Beatriz” e não achei, até que lá no fundo vi “RN de Mariela Rios”. Era ela. Ainda que toda cheia de apetrechos necessários naquele momento que me impediam de ver sua carinha, seu corpinho...era a minha filha.

E a minha emoção naquele instante foi tamanha que não tive como conter as lágrimas. Lembro que uma enfermeira encostou e disse: “Não fica assim, mãe. Ela sente. Ela precisa sentir que você está bem”. Mas o meu choro era exatamente por isso. Por saber que por mais difícil que tivesse sido, ela estava ali, e estava bem. E esse era meu único agradecimento a Deus. Peguei no pezinho, fiz um carinho na mãozinha e perguntei a médica plantonista como ela estava. A médica me respondeu (o que vou contar a partir de agora vai ser surpresa para muitos, mas é mais uma prova de que quando acreditamos em Deus e confiamos nossa vida a Ele, nada pode ser maior): “Ela está bem. Só parece que tem uma síndrome. A síndrome de Turner”.

Eu escutei aquilo e apenas disse: “Ah, que bom que ela está bem.” Saí da UTI e retornei ao quarto falando a Deus que não importava nada, que cuidaria e amaria minha filha em qualquer situação. Contei ao meu esposo e aos meus pais e eles começaram a pesquisar a síndrome que nunca havíamos ouvido falar, assim como a  síndrome que eu sofri e que trouxe Beatriz prematuramente, a síndrome de Hellp(oportunamente abordarei esse tema para as grávidas).

Síndrome Turner é uma anomalia cromossômica cuja origem é a perda parcial ou total de um cromossomo X. A sindrome é identificada no momento do nascimento, ou antes da puberdade por suas características fenotípicas distintivas. A portadora apresenta baixa estatura, órgãos sexuais (ovários e vagina) e caracteres sexuais secundários (seios) pouco desenvolvidos (por falta de hormônios sexuais), tórax largo em barril, pescoço alado (com pregas cutâneas bilaterais), má-formação das orelhas, maior frequência de problemas renais e cardiovasculares, e é quase sempre estéril (os ovários não produzem ovócitos).Mais tarde, após os exames, constatamos o que minha médica “anjo” já havia me dito: Beatriz não tinha a sindrome de Turner. Agradeci a Deus por isso.

Passei mais dois dias internada e recebi alta. Sozinha. Beatriz continuaria ali. Coração na mão. Mãos vazias. Colo sem minha filha. Um pedaço de mim ficaria no hospital. Essa foi a sensação mais triste de todas que senti durante os dias que passamos por tudo isso. E fui pra casa, deixando a minha esperança e o meu amor. Foram os dias seguintes que me ensinaram a ver a vida de uma maneira diferente, a acreditar cada vez mais em milagres, a entender os desígnios de Deus para cada um de nós.

Assim como eu, diariamente muitas mães iam acompanhar o desenvolvimento dos seus pequenos. Mas também havia aquelas que não podiam ir, que não tinham recursos para isso, e os bebes ficavam ali, sendo acarinhados e cuidados pelas enfermeiras. Conheci lindas histórias, abracei muitas amigas, fui testemunha de muitas vitórias. Grandes aprendizados.

Rapidamente Beatriz saiu do alto risco e foi para o médio risco. E foi quando a peguei no colo pela primeira vez. E pude dar de mamar também. Felicidade única. Momento inesquecível. Passei a mão em seus poucos cabelos que logo seriam pouquíssimos, já que a maioria tem a cabecinha raspada por conta das veias aparentes que precisam ser pegas. No outro dia quando entrei na UTI a enfermeira estava trocando Bia. Me deparei com a cena e me perguntei como cuidaria daquele ser tão frágil? Ela pesava 1.800 kg, sendo que havia nascido com 2.260kg (é normal que eles percam peso no início). A fralda descartável “engolia” minha pequena guerreira.

Beatriz não tinha força pra sugar e muitas vezes o meu leite não conseguiu suprir a necessidade dela. Por isso, precisavam complementar com o leite materno no “copo descartável”. Incrível! Com um copinho descartável de cafezinho, as mãos experientes das enfermeiras faziam a alegria dos bebês que bebiam todo o leite, em gulosos goles! Incrível mesmo!

Um dia cheguei à UTI e Beatriz havia voltado para a sonda. Precisava limpar e retirar alguns resíduos ainda do parto e por isso estava em dieta zero por 24h. Pra quem já havia aprendido a dar grandes goles naquele copinho de café, aguentar uma dieta zero era demais! E ela chorava, chorava, sem parar. E eu só chorava também. Na hora de sair, perguntei a uma enfermeira o que eu podia fazer para ajudar e ela me pediu que levasse uma chupeta, a menor que eu encontrasse. Fui atrás da chupeta e voltei. Quando a enfermeira colocou na boquinha dela a emoçao foi tanta que ela segurou e começou a chupar esperando que o leitinho saisse dali. Tadinha da minha pequena...enganaram ela direitinho. Mas pelo menos pude sair naquele dia sem ouvir o choro que me matava por dentro.

Todos os dias eu levava a malinha dela pronta. Nunca sabia qual poderia ser o dia da alta e toda visita era uma esperança. E todas as semanas levava um pacote de fraldas pra ela, que ficava guardado embaixo do leito. Mas observava que nem todos os bebês tinham fraldas em seus leitos. Perguntei a enfermeira e ela disse que o plano cobria fraldas, que não era preciso levar. Mas quando soube que muitas vezes elas tinham que cortar uma fralda para fazer duas e suprir a necessidade dos que nao tinham, eu disse que deixasse as que o plano cobria para os bebes que precisavam.

Cheguei no dia 27 de agosto para visitar Beatriz, com a malinha pronta. Quando a enfermeira me viu, disse: “Mãe, estamos tentando falar com você, ligando pra você e nada...Beatriz teve alta”. Abracei a enfermeira e chorei. Entreguei a mala e esperei do lado de fora. Trouxeram minha filha arrumadinha, fofa, com direito a mantinha rosa, roupinha especial e tudo mais que um bebê tem direito para sair da maternidade. Agora sim tudo estava bem. Estávamos prontas para sermos e vivermos a grande relação mãe e filha.

Abracei as enfermeiras, médicas, profissionais que dedicaram tanto cuidado a minha filha e somente agradeci. Era a unica coisa que podia fazer naquele momento. Desci a rampa, sorridente, passei pela primeira porta. Cheguei à portaria, falei com os atendentes que já estavam acostumados a me ver todos os dias e naquele dia eles sorriram diferente para mim, como se dissessem “que bom que deu tudo certo”. Saí dali sabendo que voltaria. Voltaria para fazer algo por aqueles bebês. Para fazer algo a mais por mim.


Mariela Rios é comunicóloga, pós-graduada em Leitura, Interpretação e Produção de Texto, graduanda em Pedagogia e mãe de um bebê prematuro que hoje está com 4 anos e uma saúde perfeita.

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